Caxias do Sul - Rio Grande do Sul - Brasil

Diário online do ator Márcio Ramos - relatos, pensamentos, agenda, críticas...

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Esperança :)

Neste último sábado (20/07/2013) tive a oportunidade de reapresentar a peça de teatro O FAUNO, monólogo onde eu interpreto o personagem título. Apesar do frio extremo que está fazendo nestes dias, temperaturas quase negativas, foi um grande desafio apresentar uma peça onde minha única peça de roupa é uma calça até os joelhos, sem peça de roupa no tronco e de pés descalços. Loucura pura!
A loucura maior ainda foi ter marcado uma segunda sessão no mesmo dia, à meia noite! Como é conhecida essa sessão neste horário alternativo, brincava sobre a "sessão maldita" - mas ela virou maldita por causa da "temperatura maldita" que maltratava qualquer pessoa que estivesse na rua. E graças aos Deuses as pessoas saíram de suas casas e foram compartilhar de seus momentos com a peça.
Mas isso tudo é apenas uma contextualização do momento, pois nem é sobre isso que quero comentar...
Eis que no meio da peça, durante a segunda sessão, eu estava na cena da ceia (momento onde o personagem à beira da morte recebe sua última ceia e resolve dividir com a platéia, num ritual de comunhão). Estava eu, vestido de Fauno, a ceia preparada com maior carinho, um garrafão de vinho, e então o personagem fez o convite: "Gostaria de dividir deste meu último momento com vocês, podem se aproximar, sentem aqui, venham!". O público permaneceu imóvel. Apenas olhavam - teria o frio congelado eles? Eu, a partir do momento que entrei em cena perdi qualquer sensibilidade à temperatura, não sentia nenhum frio. Reforcei o convite uma segunda vez. Nada. Nunhum retorno. Repeti uma terceira e última vez. Silêncio.
Olhei, também em silêncio, para o público e percebi que ninguém queria dividir aquele momento. Queriam apenas assistir.
Mas me colocando no lugar do personagem, de estar a beira da morte e buscar desesperadamente um conforto no contato com o próximo, e não receber nenhuma reação de aproximação, foi muito forte pra mim.
Percebi que ali, naquela apresentação, as coisas iriam andar por um caminho diferente do roteiro. Não haveria comunhão. Apenas dele (o personagem), com ele mesmo.
Neste momeno, enquanto olhava para a platéia, liberei meu impulso de me retrair, me esconder, me afastar. 
Peguei a tábua da ceia e o garrafão e lentamente arrastei até o fundo do palco, ficando sozinho.
A minha mente de ator rapidamente queria solucionar esse momento pensando em alternativas, o que fazer, como fazer... Resolvi deixar aquele momento novo me conduzir um pouco mais.
Peguei uma carne para comer, sozinho, e nunca senti tamanha solidão na minha vida.
Foi como uma facada. A cada mordida que eu dava, mais lágrimas rolavam pelo meu rosto e mais inútil, impotente e me sentia. Era apenas o Fauno e sua última ceia. Só.
A cena se transformara totalmente - o clima de confraternização e festa deu lugar ao desespero interno que o personagem vivia.
Antes mesmo de eu pensar numa saída para retomar o roteiro da peça, vejo uma pessoa levantar e caminhar na minha direção, sentando ao meu lado. Uma segunda levanta e começa a se aproximar também. Outra, e mais outra, mais outra... Quase todos sentaram ao redor da ceia para demonstrar sua compaixão ao que o personagem/eu estava sentindo (aqui eu nem separo o personagem das minhas emoções, pois como era um momento novo na peça, inesperado, improvisado, eu senti pra valer cada respiração).
O medo do abandono, da solidão, da morte como um "apagão", se transformou novamente naquele momento muito especial da comunhão entre personagem e platéia. Automaticamente as coisas voltaram para onde elas deveriam estar.
O ser humano ainda é MUITO SER HUMANO.

Confesso que esse "limiar", como diz o personagem, entre roteiro e improviso, entre texto decorado e fala espontânea, entre ação marcada e ação momentânea é bem delicado. Por vezes tenho vontade de marcar toda a peça e fazer dela algo que será reproduzido igualmente, para me dar o tão sonhado controle.
Mas daí eu não viveria momentos incríveis como este que narrei acima. Me libertar das cordas que definem uma estrutura e dentro desta pré-estrutura encontrar o que já estava ali o tempo todo. Apenas consegui saborear cada jogada muito mais.
Ter que dominar algo, sem ter total controle de todas as peças, está sendo um dos maiores aprendizados da minha vida profissional de pessoal.

Por isso, agradeço imensamente esse presente que ganhei da Ana Fuchs! 
MUITO OBRIGADO... Mesmo de longe tu continua me ensinando muito. :)

Márcio Ramos, Caxias do Sul, 22 de julho de 2013. 13:37.

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