Caxias do Sul - Rio Grande do Sul - Brasil

Diário online do ator Márcio Ramos - relatos, pensamentos, agenda, críticas...

sexta-feira, 11 de março de 2011

2010 - ALI-SE ...aqui ou acolá...

Em julho de 2009, Márcio Ramos(eu), Tefa Polidoro e Matheus Brusa - três profissionais da área cultural, com enfase em teatro e dança - resolveram criar um projeto unindo artistas de diferentes áreas, com foco em bailarinos e atores, para criar um novo projeto. Idéia jogada para o Universo, artistas convidados, muitos deles seriam atores da Cia2 - Grupo de Teatro, faltava o principal - sobre o que falar?



Durante um dos ensaios com a Cia2, coloquei para eles a idéia e trabalharmos com profissionais diferentes e que juntos poderíamos sugerir algum material de inspiração. Depois de várias idéias, Aline Marcon menciona "Alice no País das Maravilhas" - todos adoram a idéia. Levamos a idéia para os demais envolvidos e todos apoiam a possibilidade de usarmos essa fabulosa história como inspiração para criarmos o nosso "alice".

Durante trocas de e-mail sobre o projeto, brinquei com a sonoridade da palavra alice, e como iríamos trabalhar numa peça com influencias da arte contemporânea, surgiu "Ali-se" - confesso que na ocasião nem pensei que esse viria a ser o nome da peça, mas o nome "pegou" entre os membros, se tornando assim o nome do projeto e da peça.

Criamos o projeto, com o proponente sendo Vinicius Padilha, inscrito em dois prêmios de financiamento para teatro, sendo recomendado em ambos, mas não sendo aprovado. Não nos demos por vencidos e esperamos outro edital abrir - dessa vez no FINANCIARTE, prêmio de financiamento da Secretaria da Cultura da Prefeitura de Caxias do Sul. Alguns meses após a inscrição (final de 2009), finalmente a palavra APROVADO estava escrito no resultado final.

Combinamos de iniciar a montagem com todos envolvidos no início de 2010, em encontros que ocorriam aos sábados.
Logo na primeira reunião, com um membro ausente, o clima de confusão e a falha na comunicação entre alguns membros era enorme. Drama. Drama. Drama. Foi o pior início de um projeto. Mas estávamos decididos a dar a volta nas "intrigas" e focar no trabalho. Muito se fala em profissionalismo, mas algumas barreiras ficam impossíveis de se delimitar quando se trabalha entre amigos, ainda mais num projeto que teria 3 diretores envolvidos. Assuntos resolvidos, ou quase, damos sequencia aos trabalhos.

Realizamos um trabalho intenso de pesquisa, já que se tratava de um texto extremamente famoso, cheio de referências e teorias sobre o mesmo. Cada membro - cerca de 12 pessoas - coletava material para lermos e discutirmos sobre. Nessa primeira etapa surgiram os principais personagens necessários para a montagem, sendo que "Alice" possui 2 livros: "As Aventuras de Alice no País das Maravilhas" e "Alice Através do Espelho" (ambos de Lewis Carrol). Pesquisamos muito sobre o autor também, sobre as mais interessantes e absurdas interpretações sobre o "pq" dele ter escrito os textos.

Como iriamos trabalhar sem um texto/roteiro pré-estabelecido, apenas as idéias que a história original nos passava, criamos um "amigo secreto" de personagens. Cada membro retirou seu personagem e, em segredo, desenvolveria uma performance, com elementos da arte contemporânea, para apresentá-lo aos demais. Eis que nosso meterial mais incrível começava a ser criado e coletado. Ex.: A Camila Cardoso, que havia retirado o papel da Lagarta, criou uma cena onde ela era uma ex-viciada em cigarro e estava numa abstinência profunda, que só conseguia se controlar comendo muitas balas "sete belos" (a bala é uma carta, fazendo referência ao exército de cartas da história). Acabamos não usando as balas na cena da lagarta, mas as balas se tornaram uma espécie de chave para toda história se desenvolver.

Num segundo momento, em junho, eu criei um roteiro contendo todas informações que teríamos de ter na peça: trilha sonora, vídeos exibidos durante a peça, movimentações, além de idéias para o desenrolar da história. Talvez não fosse tão necessário ter criado o roteiro naquele momento, mas toda criação - pra mim - sempre parte do texto, e dirigir algo que não tinha nem um roteiro estava me matando por dentro. No fim foi positivo ter escrito esse primeiro roteiro (que futuramente receberia outros tratamentos), pois percebemos como tinhamos muitos detalhes para cuidar, criar, desenvolver - além do processo de preparação e criação do elenco, que ocorria desde abril. Percebemos, também, como a idéia estava clara para os diretores do que seria a peça, mas como ela ainda era difícil de visualizar para todo elenco.

Em julho nos deparamos com mais "ruídos na comunicação", desestabilizando mais uma vez todo o projeto - novamente alguns problemas pessoais estavam se tornando problemas profissionais - ou vice e versa... Mais uma vez um projeto que era pra abraçar o lúdico, o imaginário infanto-juvenil, estava cheio de problemas juvenis. Ao tentarmos resolver os problemas, criaram-se mais problemas... Parecia que existia uma "energia negra" envolvendo o Ali-se e eu, pessoalmente, estava dividido entre amizades, trabalhos, sonhos, passado, futuro... O que fazer? Como resolver? Que direção tomar?



Talvez nem fosse eu que tivesse que decidir algo, mas me sentia meio que um "pai" pro projeto todo. Durante um ensaio, quando novamente novos probelmas foram expostos, resolvemos dar ouvidos apenas às soluções e não aos problemas. E automaticamente as coisas se resolveram.
Nessa mesma fase, devido problemas de horários por causa de outros trabalhos, Matheus se retirou do projeto. Ele havia colaborado com muitas idéias, mas o que fazer com elas, uma vez que ele não estava mais na direção?

Tínhamos quatro meses até a estréia da peça, e muito material teria de ser substituído. Tefa e eu nos reunimos num final de tarde e passamos cerca de 6 horas, diretas, jogando todas idéias possíveis para recuperar materiais nossos, porém numa roubagem nova, com a nossa cara - mas que não perdesse as estruturas que haviam sido propostas pelo projeto inicial. E devo dizer que conseguimos!!!



Era o segundo dia de apresentação da peça "Ao Quadrado", reunimos todo elenco e contamos como seria esse novo "Ali-se" - todos se apaixonaram pela idéia. Estavamos reestruturando um projeto que, devido todos problemas no passado, havia se tornado um "fardo", como relatou um próprio membro do elenco.

Tefa e eu resolvemos limpar a energia do Ali-se e recuperar o prazer e a diversão do teatro. Ficamos quase que um mês todo trazendo a animação e o lúdico para os ensaios, para que - pouco a pouco - os atores fossem se apaixonando novamente pelo projeto. Apesar de estarmos quase que com a corda no pescoço, devido a data de estréia estar próxima, nós decidimos dar o máximo de atenção nessa nova "primeira fase", pois seria ela que faria com que o elenco realmente se envolvesse de tal forma pela peça, a ponto de defenderem ela com unhas e dentes no palco. No elenco estavam: Beta Padilha, Camila Cardoso, Elvis Barbieri, Jéssica Pistorello, Gabriel Leonardelli, Gabriel Zeni, Rachel Zílio e Vinícius Padilha - além de eu (Márcio Ramos) e Tefa Polidoro na direção.


Fase concluída com sucesso, começou a fase do desespero. Tínhamos que criar o figurino, trilha sonora e vídeos para dar tempo de tudo ser confeccionado. Na criação e confecção do figurino chamamos a Eliana Zardo, para a criação da trilha sonora convidamos a Franciele Duarte e Tita Sachett, para a produção e criação do video convidamos a Generall Vídeo Produtora (parceiros da Cia2 desde o Paranoia), além do grande Juarez Barazetti na iluminação. Além da Rachel Zílio na produção do projeto, Gabriel Leonardelli na criação do material gráfico e Raquel Alquati na contra-regragem.

Com todo aparato técnico sendo desenvolvido, começamos a marcar ensaios extras para tentar recuperar os ensaios perdidos. Ainda com base naquele primeiro roteiro que eu havia escrito, eu e a Tefa reformulamos ele, acrescentamos e substituímos coisas, mantendo a estrutura dele. Com isso, passamos a trabalhar as cenas da peça. Os ensaios eram divididos em aquecimento corporal - proposto pelos diretores, aquecimento vocal - proposto pela Beta Padilha (que está cursando Fonoaudiologia). Logo após passavamos uma idéia geral do que seria a cena trabalhada, divididos em dois grupos o elenco deveria criar a melhor idéia para aquela cena. As cenas eram apresentadas, comentadas e trabalhadas. Depois, passávamos a unir o melhor das duas criações e encontrávamos uma possível construção inicial para a cena em questão.

Houveram cenas criadas assim, enquanto outras partiram completemente de idéias pré-concebidas pela direção, onde passávamos o que seria a movimentação da cena e estudávamos - junto com o elenco - a melhor maneira de realizá-la.

Nessa fase, a Tefa iniciou a estruturação do texto da peça. Com base nas cenas e improvisações criadas pelo grupo, ela unia todas idéias e colocava tudo no papel, criando diálogos lindos (Tefa, deixa eu te elogiar!). Nesse momento a Tefa sugeriu acrescentarmos o "...aqui e acolá..." ao título da peça, fechando nosso processo criativo.



O último mês foi de um grande e arduo trabalho para todos envolvidos. Começamos a ensaiar com figurino, acessórios, trilha sonora, projeções...Tudo!!! Era informação demais, mas estavamos ansiosos para ver essa peça que tanto havia se transformado, em um resultado artístico que todos nós nos orgulhávamos. Nos ensaios gerais ainda sentíamos a necessidade de criar detalhes em algumas cenas, limpar outras, mas decidimos ser momento apenas para a repetição do material que já tínhamos e pronto. Aquele seria o material apresentado.

Realizamos a estréia da peça para alunos de escolas municipais e estadual, entre elas estavam alunos meus das escolas municipais *Professora Marianinha de Queiroz, *Ramiro Pigozzi e *Dolaimes Stedile Angeli, outra escola municipal onde leciona a mãe do Gabriel Zeni, e a escola estadual Cristóvão, onde minha mãe leciona. Mais uma vez estávamos criando mágica e nem imaginávamos...

Criamos toda a peça pensando no nosso público álvo, as crianças/adolescentes, porém nunca imaginávamos que eles abraçariam com tamanha força o espetáculo. A cada pergunta indagada por algum personagem no palco, as crianças respondiam com tamanha rapidez e vontade que dava pra sentir eles estabelecendo todas as conexões com o material da peça. As vezes eles ficavam em um silêncio tão grande que pensava, eu e Tefa - na cabine de som e luz: "acho q eles estão achando cansativa a peça!".... Mas era aparecer outra oportunidade para eles participarem ativamente durante a peça que eles, novamente, demonstravam estar completamente dentro da peça. Os momentos de silêncio era a atenção total deles dedicada àquele momento!



Abraços a todos,

Márcio Ramos






 
  

Um comentário:

  1. Nossa! Não consegui assistir a peça ainda, mas adorei ler um pouco dos bastidores e saber que em todos os grupos e montagens as coisas são por vezes confusas, mas que quando pensamos no espetáculo e no público a coisa cria forma e vira sucesso!!! Parabéns aos que resistem ao teatro mesmo com tantas pedras no caminho! Merda!!!

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