Caxias do Sul - Rio Grande do Sul - Brasil

Diário online do ator Márcio Ramos - relatos, pensamentos, agenda, críticas...

domingo, 20 de março de 2011

2011 - Do Sétimo Andar (curta metragem)

Ainda no clima de 2010, ano de intensa produção pra galera da Cia2, nos aventuramos numa linguagem diferente - saímos dos palcos de teatro e fomos para o cinema.

Quem acompanha a Cia2 sabe que eu, Márcio Ramos, gosto de me aventurar em setores diferentes da atuação e às vezes vamos parar em "palcos" diferentes. Pra não acharem que - do nada - resolvi escrever um roteiro pra cinema, atuar e produzi-lo, vou abreviar minhas experiências passadas no cinema. Em 2007, após fazer parte do elenco da peça "Extremos", escrita e dirigida por Ana Fuchs, após várias temporadas da peça, ela virou um média metragem nas mãos do pessoal da produtora Spaghetti Filmes. Mais tarde, no início de 2009 filmei um curta chamado "Hoje" (dirigido por Caroline Barrueco), e durante o processo de filmagem observei bastante os bastidores na tentativa de absorver o maior número de informações. Também em 2009, o artista/desenhista e também escritor Frank Furtado - FTF, me convidou para chamar atores para um curta que ele estava desenvolvendo, junto ao SESI, e acabei conquistando o papel de protagonista do curta metragem "Cessar Samsara". Nesse último projeto, outros atores da Cia2 também participaram: Camila Cardoso, Rachel Zílio, Gabriel Leonardelli, Gabriel Zeni e minha aluna Carina Corá. Com essas experiências no cinema, era hora de arriscar novamente.
No início de 2009 escrevi o texto de 5 irmãos, que já imaginava virar um curta. Lembro que procurei colocar várias experiências da minha família ali naquela história: vários irmãos, personalidades diferentes, conflitos, problemas com drogas... Coloquei tudo ali. Pra facilitar, escrevi a história pensando nos atores que seriam meus irmãos na tela - Gabriel Zeni, Douglas Trancoso, Gabriel Leonardelli e Matheus Brusa.
Como todos temos pequenas semelhanças, seria fácil adaptar para virarmos irmãos.
Uma coisa que acho interessante deixar claro é que eu não possuo nenhuma aspiração de virar escritor - escrevo por necessidade. Num momento decisivo da minha mini-história como ator, coloquei algumas metas e para atingi-las - se necessário - iria criar as minhas oportunidades. Se quero atuar e ninguém lembra de mim, me faço ser visto, mas através de trabalho. Se queria participar de mais curtas, e as oportunidades não eram tantas, eu monto o circo todo para poder desenvolver essas oportunidades. No final, esses projetos que eu invento acabam sendo de um aprendizado sem limites, do que apenas receber um texto e personificar tal personagem para outros.
Voltando ao projeto... Com o texto pronto, o próximo passo seria mostrá-lo aos outros atores e propor um projeto de financiamento para produzir o curta.
Reuni os guris, juntos com a Rachel Zílio, que seria a produtora do curta comigo e a proposta foi aceita.
Aqui a ralação começou! Eu e a Rachel nos encontrávamos várias vezes para escrever o projeto.
Era momento de pesquisar, justificar, selecionar profissionais, colocar tudo no papel... Toda a função de produtores - fazer o projeto ser algo "palpável" ao ler ele todo estruturado.

Paralelo a esse momento, eu recebi aulas preciosas com a Isa Molino - colombiana com duas faculdades de cinema - para me dar auxílio na estruturação do roteiro.
Em 1 hora ela me mostrou como criar um roteiro literário e técnico, com todas as dicas e toques que ela poderia dar. E eu ali, como uma esponja absorvendo tudo. Chegava em casa e procurava acrescentar tudo no meu roteiro. Ela me passava seu conhecimento como uma verdadeira educadora, professora - a Isa nunca chegou a pegar meu roteiro e dizer o que eu deveria fazer. Ela me ensinou, usando outros roteiros como exemplo e depois me dizia: "Agora faz isso no teu roteiro!". Uma coisa que tive que me adaptar foi a ver o texto como imagem, pois filme/cinema é pura imagem. Lembro também ela me falando da necessidade de colocar tudo no roteiro, para entregar ao diretor do filme, o Dudão Garcia - da Generall Vídeo Produtora: "Ao ler teu roteiro o Dudão deveria conseguir ver o que eu queria de imagens, mas tudo escrito como eu imaginava. É o momento de tu contar essa história, em imagens, pra ele!"
Gente, que trabalheira! Além de construir o projeto com a Rachel, eu ia finalizando o roteiro (aqui vou fazer um adendo - nem eu e nem a Rachel vivemos somente disso, todos temos outros empregos, que nos ajudam a "sobreviver", toda essa dedicação era feita em momento pós-trabalhos, e tudo isso sem a certeza que teríamos o projeto aprovado. Falo isso para que estiver lendo realmente admirar os produtores culturais de suas cidades.)
Tudo pronto, enviamos o projeto para o FINANCIARTE, da Prefeitura de Caxias do Sul, com o proponente sendo o Gabriel Leonardelli.

Nesse momento percebemos que esse viraria um projeto-anexo da Cia2, pois mais da metade da equipe era da Cia2. Para verem como somos loucos, paralelo com o curta estávamos desenvolvendo as peças "Ao Quadrado", "Ali-se" e "(E)Terno" - sem dúvidas 2010 ficará gravado em nossas vidas!
Não lembro agora quando descobrimos que o curta havia sido aprovado, mas foi no mesmo edital do "Ali-se".
Na ocasião eu fiquei muito feliz, mas não somente pq o filme viraria algo real. Percebi que esse havia sido o primeiro texto/roteiro meu que seria produzido com verba de financiamentos. Pessoas qualificadas receberam projetos, leram e escolheram o meu roteiro. Aos 25 anos tudo estava acontecendo tão rápido.
Passamos o ano de 2010, de Janeiro até Agosto realizando a pré-produção do filme. Nesse processo, pro motivos de outros compromissos "perdi" um dos irmãos do filme - o Matheus. A princípio foi muito frustrante saber que alguém que eu havia escrito o personagem pensando nele, na pessoa dele, não iria fazer parte do filme. Mas aí estava eu e Rachel encabeçando a produção e procurando resolver todas situações que apareciam.
Nesse momento ganhamos uma renovada no projeto, com a adesão do ator Vinicius Padilha no projeto, escalado para o personagem que havia ficado sem ator. Quem nos conhece pessoalmente sabe que o Vini não tem nenhuma semelhança física com os demais atores - assim alterei pequenas coisas no roteiro para ele ser nosso "irmão de criação", seja adotado ou apenas emprestado, coisa que acontece em muitas famílias.
Esse processo de pré-produção foi o mais difícil pra mim, pois aqui eu vi coisas que eu havia escrito, criado, serem reviradas e tratadas como "material", pelos demais profissionais. Não estava acostumado com isso, os demais projetos que havia produzido (p/ o teatro) sempre focou muito o desenvolvimento de minhas ideias e ali não era isso que acontecia. Cinema é uma verdadeira "colcha de retalhos", cada profissional (diretor de arte: Giovana Mazzochi e Douglas Trancoso, de fotografia; Isa Molino, editor: Evandro Garcia, diretor: Eduardo "Dudão" Garcia, produtor: Rachel Zílio e Márcio Ramos, atores: Douglas Trancoso, Gabriel Leonardelli, Gabriel Zeni, Márcio Ramos e Vinicius Padilha) desenvolvem seus cargos e um soma ao trabalho do outro. Novamente, novas experiências de crescimento.

Durante o processo, tomei uma postura de não misturar meus diferentes cargos - quando eu seria ator, só seria ator, não atuaria como produtor. O mesmo com o escritor, que acabei deixando bastante de lado. As vezes os atores questionavam coisas sobre seus personagens e sobre a história e eu pensava: "Quero que eles me vejam como colega de elenco, não escritor. Quero ficar no mesmo clima deles, sem diferenciação de cargos." Ajudou em alguns momentos, mas em outros eu senti que poderia ter acrescentando TANTO, e acabei me calando. Mas aprendizado é isso...
Um momento muito mágico, na pré-produção foi a preparação de elenco, com o diretor/professor Raulino Prezzi. Ele conduziu a preparação com tanta maestria que chegamos a comentar: "Nós atores já éramos amigos, mas após o trabalho com o Rau nós nos tornamos irmãos!".
Quando começaram as filmagens, descobri que o aprendizado não havia chegado nem na metade.
Como disse Fernanda Montenegro: "Cinema é a arte da espera". Gente, como atores tem que ser providos com a qualidade da paciência. As vezes filmávamos 30 minutos e esperávamos 3 horas até a próxima cena.
Claro, isso num projeto independente, que mesmo tento financiamento, a grana recebida não chega nem a 1/3 do necessário para realmente desenvolver um curta com toda qualidade necessária. Sendo assim, tínhamos poucos profissionais na técnica, cada um desenvolvendo funções além de seus cargos.
Gravamos aos finais de semana, em geral eram cerca de 20 horas de trabalho por dia de filmagem.
Lembro de um momento onde teatro e cinema se distanciaram como nunca pra mim. No teatro (como falei no post anterior), quando encontramos a verdade do momento em cena é delicioso, e não existe "quebra", pq em cena desenvolvemos essas emoções num crescente, ao vivo, como na vida real. No cinema eu já estava ciente da quebra de clima, com tantos cortes, "takes", planos e repetições. Mas dentro de cada um deles (por mais pequenos que sejam) temos a chance de entrar no clima do personagem e encontrar a verdade daquele "take". Numa das minhas cenas mais dramáticas, onde meu personagem se "abria emocionalmente" pela primeira vez com os irmãos, presenciei o cinema em sua totalidade:
Quem assiste a cena, pensa que todos atores estavam juntos na cena, mas como o quarto onde filmamos era pequeno, eu tive que filmar minhas cenas sozinho, sem os irmãos. Era necessário eu olhar para marcas na parede e imaginar os atores ali. O desafio era construir o "desmoronamento emocional" do personagem, porém olhando para uma parede - sem ter a reação dos atores na minha frente, pra trocar nossa energia.
Mas o maior desafio era me emocionar, cortar, parar a filmagem, me emocionar de novo, cortar, parar a filmagem... Lembro que o pessoal da técnica estava conversando e eu, em silêncio sentado numa cama tentando entrar no clima, mas a conversa dos outros me desconcentrava. Pensei em pedir silêncio, mas logo pensei: "Hum...vão achar que estou dando uma de diva, exigindo coisas!". Quando ia desistir de pedir silêncio, lembrei: pessoas irão assistir isso! Não importa se agora pensarem que estou "me achando", se preciso de silêncio para atingir o melhor material na filmagem, vou fazer isso.
Depois de pedir pelo silêncio, era hora de mostrar que ele faria diferença na minha atuação. Numa das repetições, onde eu havia realmente me soltado e atingido o ponto emocional do personagem, literalmente chorando com ele, um cachorro do vizinho começa a latir e a filmagem foi interrompida. Que frustração! Que raiva! Mas logo lembrei: "Não entra na energia do Márcio, de frustração. Não se permite a sentir o que tu está sentindo. Continua no personagem. Continua com a energia que ele tem que adquirir.".
Um processo psicológico de auto-controle, paciência, desafio... Tudo muito intenso.

Filmagem concluída, era momento de iniciar a pós-produção. Nesse momento, o trabalho maior ficou por conta da galera da Generall Vídeo Produtora, de montar, construir, editar e finalizar o filme.
Em Janeiro de 2011 marcamos a estreia do filme, e eu nem imaginava que outro forte momento emocional me esperava. Quando assisti o filme pronto, pela primeira vez, e vi ali todas as imagens que a Isa havia me ensinado a transcrever, todos os diálogos que havia escrito, toda a experiência do início ao fim - tudo veio a tona. Mas o mais lindo foi entrar no filme e assistir ele como material artístico pronto, palpável.
Quando estava acabando o filme, me controlei pra não desabar chorando. Chorando de felicidade, pois o filme havia se tornado real.

Até o próximo post,

Márcio Ramos

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