Caxias do Sul - Rio Grande do Sul - Brasil

Diário online do ator Márcio Ramos - relatos, pensamentos, agenda, críticas...

segunda-feira, 14 de março de 2011

2010 - Festa Nacional da Uva

No final de 2009 recebi um convite bem inusitado: coordenar um dos quadros do corso alegórico da Festa da Uva. Em conversa direta com o pessoal da UEBA, Jonas Piccoli e Aline Zilli, que estavam realizando a coordenação do desfile, descobri que seria um conceito diferente para esse desfile que já ultrapassou as tradições da cidade de Caxias do Sul, sendo um evento nacional. Aceitei, é claro! Adoro desafios...

Quando estavamos descobrindo como seria o tema do corso alegórico ("Nos trilhos da história, a estação da colheita"), que tinha concepção e coordenação artística de Renato Filippini e direção de desfile de Vinícius De Tomasi Ribeiro, conhecemos como funcionariam as coisas. O desfile seria dividido em 10 quadros, cada um contanto as últimas 10 décadas da história da cidade de Caxias do Sul. Eu nem sabia qual era o quadro que eu coordenaria, mas quando eles contaram a história do quadro quatro (na década de 40, quando explodia a guerra), senti muita curiosidade sobre esse período da história de caxias, que na escola nunca nos ensinaram - um momento sombrio, de dificuldades. Acabei gostando mais de Caxias, após conhecer esses dados, mas não comentei com ninguém que eu tinha me interessado por esse quadro.

Em reunião geral com todos coordenadores e instrutores, pra minha surpresa, eu iria cuidar justamente do quadro quatro.

Sinopse do Quadro IV - Explode a guerra na década de 40. O mundo veste o luto, o militarismo silencia as manifestações e todos caem na incompreensão. O desrespeito às origens faz desconstruir nossos símbolos e tradições. Poucos se erguem contra a guerra, muitos se sacrificam pela liberdade.

Com o auxílio de Israel Cabral, e movimentação cênica de Gislaine Sacchet, eu teria de conseguir cerca de 200 pessoas para desfilar, em parceria com entidades artísticas. Como sou bem atrapalhado para essas coisas, e o trabalho seria muito mais burocrático do que artístico, convidei minha amiga e colega da Cia2, Rachel Zílio, para dividir a coordenação do desfile.

No nosso quadro tinhamos as seguintes entidades participando: GenteEncena - núcleo Eldorado e núcleo Ana Rech, Servidores em Cena - Grupo da Prefeitura de Caxias do Sul, Cominidade Bairro São Caetano e alunos de teatro da UEBA. Além, é claro, dos integrantes da Cia2: Camila Cardoso, Gabriel Zeni, Gabriel Leonardelli, Guilherme Camelo, Carina Corá, eu e a Rachel.

Foi uma super pressão, principalmente nos dias iniciais de desfile, pois a população sempre esteve acostumada com uma enorme festa popular, representada pelo desfile de rua, e nesse ano as mesmas celebrações estavam muito mais poéticas do que festivas. O popular estava dando espaço para algo mais refinado - e o público não curtiu muito.

O quadro quatro sempre foi visto como algo arriscado, pois era o unico quadro dramático do desfile, então ele poderia não ser muito bem aceito. Mas em meio a críticas de todo desfile, nosso quadro acabou passando desapercebido por muitos - e sabe como são as coisas, quando um fala uma coisa negativa, a maioria passa a reproduzir aquela mesma mensagem sem ao menos questionar. Foi uma enorme lição para todos.

Uma crítica feita pelo jornalista Marcelo Aramis, ao Jornal O Caxiense, no dia 11/03/2010, eles destacam o quatro quatro como um dos pontos altos do desfile:
"Um dos pontos altos do desfile é também o que mais choca a expectativa acomodada. O carro - uma bandeira do Brasil desconstruída - representa o desrespeito às origens, a ditadura militar e a guerra. Vestidos de preto, atores encenam a claustrofobia e a dor da repressão. O público faz cara feia. A festa não é para celebrar os bons momentos? É, mas não só."

Mais um desafio aceito pela Cia2, e cumprido. Lembro que uma das críticas comuns na época era o motivo das pessoas que estavam desfilando não sorrirem tanto. Beleza, os outros quadros passarama  sorrir mais. Mas o nosso não tinha como, devido o assunto. Em determinados momentos eu presenciava atores emocionados realizando suas performances, em outros eu via participantes com alguma necessidade física especial desfilando com dificuldade, mas acreditando naquilo que estavam fazendo - é realmente tocanto como uma festa move tantas pessoas. Daí aparecia uma senhora, que estava assistindo o desfile (uma daquelas que deveria ouvir o programa de rádio onde radialistas trucidavam o desfile) começou a gritar para nós: "Sorriam! Sorriam! Vocês tem que sorrir!". Ela estava realmente alterada. Me aproximei dela e fiz sinal para o ouvido, para que ela prestasse atenção à narração do quadro, que ela entenderia o motiva da falta de dentes expostos. Não adiantou. Ela continou a gritar, mas dessa vez com a ajuda de uma outra senhora. Me aproximei mais e disse: "Se não quer ouvir, pelo menos pode respeitar?". Pra que eu fiu falar aquilo!?! A senhora, se pudesse, me batia ali mesmo. Fazer o que? Estávamos quebrando conceitos antigos, o que me fez adorar mais ainda essa experiência.

Abaixo, algumas fotos da galera da Cia2 nos desfiles:
Mas eu acho que o que chocou realmente o público foi isso:
Povo do teatro é fod@ mesmo!

Márcio Ramos

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